Antes de ser declarada a sua insolvência, Manuela (nome fictício) alienou bens em prejuízo do seu património e tendo em vista não pagar aos seus credores. Agora um dos seus credores, que soube dessa alienação, quer saber o que pode fazer.
Um processo de insolvência pode não ser um processo simples. Há alturas e momentos em que, a entidade que ficou insolvente, pratica atos que visam empobrecer e diminuir os bens e o valor da massa insolvente, ou seja, do património que sobejou para pagar aos credores do insolvente.
Nesses casos, o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) estabelece as formas como se pode atacar os negócios que foram praticados em prejuízo, no fundo, de todos os credores. Muitos credores pensam que não existem formas de se reconstituir esse património e, assim, tentar-se satisfazer mais os credores existentes.
A resolução de um negócio em benefício da massa insolvente
O número 1 do artigo 120.º do CIRE estabelece que “podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.” Ora, este artigo desvenda logo dois requisitos que devem estar cumpridos para que os negócios celebrados pelo(a) Insolvente sejam objeto de resolução.
Assim, por um lado, o negócio a resolver deve constituir-se como um ato prejudicial à massa insolvente. O número 2 do artigo 120.º do CIRE determina e delimita o conceito: “Consideram-se prejudiciais à massa os atos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.” A prejudicialidade do ato para o património tem de ser alegada, demonstrada e provada pelo Administrador da Insolvência, considerando o número 1 do artigo 120.º do CIRE mas, igualmente, a regra geral emanada do número 1 do artigo 342.º do Código Civil.
Por outro lado, existe ainda um requisito de prazo. Apenas os negócios prejudiciais à massa celebrados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência poderão ser objeto de resolução a favor da massa insolvente. Se, por exemplo, o(a) Insolvente praticou um negócio prejudicial para a massa insolvente mas o mesmo ocorreu, por exemplo, dois anos e meio antes de ter dado entrada em Tribunal do processo de insolvência, então, tal negócio não pode ser objeto de resolução em benefício da massa insolvente. No entanto, o facto de tal prazo ter decorrido, não significa que outros regimes jurídicos não possam afetar o negócio em questão… Simplesmente, tal negócio jurídico não poderá é ser “destruído” segundo o regime estatuído no artigo 120.º do CIRE.
Como é que se procede à resolução de um negócio em benefício da massa insolvente?
Existe ainda um outro prazo que tem de ser tido em linha de conta. O número 1 do artigo 123.º do CIRE estabelece que “A resolução pode ser efetuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de receção nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.” Se, no entanto, o negócio ainda estiver a ser cumprido, a resolução poderá ser objeto de declaração sem dependência qualquer prazo nos termos do número 2 do artigo 123.º do CIRE.
O momento do conhecimento do ato terá sempre de ser bem arguido e analisado. Isto porque, no nosso entender, não basta que o Administrador da Insolvência tenha conhecimento do ato em si para que o prazo de seis meses comece a contar. Antes, esse conhecimento é determinado pelo momento em que, o Administrador da Insolvência verificou que tal ato se mostrou como prejudicial e nocivo para a massa insolvente. Por exemplo, uma coisa é um Administrador da Insolvência ter conhecimento de que o(a) Insolvente procedeu à venda de um imóvel no mês anterior à declaração de insolvência e, ou coisa bem diferente é o saber que essa venda, esse ato foi, por exemplo, realizado por um valor inferior ao preço normal de mercado para a zona em questão…
Se esta não fosse a interpretação correta para o início da contagem do prazo para se proceder à resolução, então, isto significaria a necessidade de todos os atos e negócios jurídicos terem de ser postos em causa sob pena de, no primeiro momento que deles o Administrador da Insolvência teve conhecimento, o prazo começar imediatamente a correr. Tal não seria possível, até considerando as prudentes e necessárias averiguações que são exigíveis a uma atuação diligente do Administrador da Insolvência.
Mas e se o ato não for prejudicial à massa insolvente?
Imagine que foi a si que o Insolvente vendeu um imóvel três meses antes de ter sido iniciado o processo de insolvência… Acredita que pagou um preço justo pelo imóvel e nada desajustado considerando o mercado. No entanto, recebeu uma carta registada com aviso de receção, remetida pelo Administrador de Insolvência, a dar conta de que o mesmo procedeu à resolução do negócio que, crê, foi celebrado em prejuízo da massa insolvente.
Nesse caso, tem de agir e rapidamente! Nos termos do artigo 125.º do CIRE, “o direito de impugnar a resolução caduca no prazo de três meses, correndo a ação correspondente, proposta contra a massa insolvente, como dependência do processo de insolvência.”
Em face deste artigo, a partir do momento em que receba a comunicação de resolução do negócio, tem o prazo de três meses para impugnar a resolução do negócio que o Administrador da Insolvência realizou. Trata-se de um prazo de caducidade que faz com que a resolução operada se solidifique na ordem jurídica se não for, naquele período, posto em causa.
A impugnação da resolução de um negócio jurídico em benefício da massa insolvente corre por apenso ao processo de insolvência. É uma ação judicial que tem como objetivo único ser declarada a existência ou não do direito à resolução, não havendo lugar a qualquer pedido reconvencional uma vez que se trata de uma ação de simples apreciação (no caso, de mera apreciação negativa).
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