Enquadramento
A complexidade da vida quotidiana, a velocidade a que ela se desenvolve, os meios de circulação utilizados, os instrumentos de trabalho sofisticados e, por vezes, perigosos postos à disposição, levou o direito comunitário a apresentar-se como garante de uma maior proteção dos lesados de acidentes de viação, alargando o âmbito da responsabilidade pelo risco, em várias diretivas, consagrando a proteção dos interesses dos sinistrados, vítimas de acidentes de viação, em diversas diretivas europeias.
Posicionamento doutrinário
De acordo com a posição da doutrina tradicional defendida por Antunes Varela não existe qualquer possibilidade de concurso do perigo especial do veículo com o facto, culposo ou não culposo, de terceiro ou da vítima que origine uma repartição da responsabilidade ou uma atenuação da obrigação de indemnizar fundada no risco. Para a doutrina tradicional, tal possibilidade é legalmente inaceitável. Porquanto, um acidente imputável ao lesado ou a terceiro ou resultante de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo afasta o nexo de causalidade entre o risco próprio do veículo e o dano e, consequentemente, a responsabilidade objetiva.
No entanto, as novas conceções comunitárias têm vindo a pôr em causa a jurisprudência e doutrina tradicionais em matéria de acidentes de viação, admitindo a existência da concorrência entre o risco do veículo e a culpa do lesado. Esta posição pugna por uma maior proteção das vítimas.
“A D… circulava no passeio, no sentido descendente, de costas para os veículos automóveis que nesse momento circulavam no mesmo sentido descendente, enquanto falava para colegas suas que se encontravam nessas imediações;
No momento em que decide descer do passeio e iniciar a travessia da via, ainda de costas para os veículos automóveis que circulavam nesse sentido de marcha, fê-lo sem olhar para a via de trânsito e sem cuidar se circulava algum veículo;”
(…)
Assim, logo que desceu do passeio foi de imediato colhida pela esquina da frente direita do veículo automóvel QG, como transparece das marcas do veículo na foto de fls. 80, que se dá aqui por integrada;
Atendendo à proximidade entre a manobra iniciada pela D… e o veículo QG, a condutora deste nada pôde fazer nem nenhuma manobra pôde efetuar para evitar o embate;”
O risco dos veículos elétricos
A especificidade ocorreu pelo facto de ser um carro elétrico que esteve envolvido no atropelamento. Os veículos elétricos por terem uma movimentação silenciosa distinguem-se dos automóveis com motor de combustão.
Decisão inovadora do Acórdão Tribunal da Relação do Porto
Pese embora tenha sido considerado pelo Tribunal que não era exigível à condutora uma condução diferente daquela que fez, e, portanto, que a condutora atuou sem culpa, o Tribunal da Relação do Porto considerou que o perigo inerente à utilização de um veículo elétrico esteve presente nas circunstâncias do acidente. Concretamente, o Tribunal da Relação do Porto considerou que o facto de o veículo circular de forma silenciosa é um risco novo a que os peões ainda não estão habituados.
Uma vez que, “a reduzida utilização de veículos elétricos, leva facilmente os peões de normal condição a convencerem-se que à ausência daquele ruído corresponde a ausência de veículos, agindo descuidadamente em conformidade, nomeadamente ao iniciarem a travessia das faixas de rodagem.”
Pelo que foi decidido que “trata-se de um novo risco expressivo que pode afetar os peões nas vias públicas, em variadas situações de aproximação de veículos com aquela caraterística, suscetível de provocar danos pessoais graves que não podem deixar de estar cobertos e que não resultam exclusivamente de falta de diligência exigível dos peões em geral, os elementos mais vulneráveis e mais desprotegidos na via pública, a par dos ciclistas.
Conclusão:
Os carros elétricos por circularem sem o barulho típico dos automóveis que possuem motores por combustão acarretam um novo risco, pelo facto de a sua utilização ainda ser um elemento a que as pessoas não estão habituadas no seu quotidiano.
Por fim, poderá questionar-se que decisão será tomada no futuro pelos tribunais portugueses, quando na nossa sociedade a circulação silenciosa de automóveis deixar ser novidade e passar a ser a regra.
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