Tiago é sócio único da sociedade Agricultura Girassol Unipessoal Lda. Por diversas vezes, utiliza a conta bancária da empresa para pagar dívidas pessoais. Em 2021, a situação financeira da sociedade degradou-se com o acumular de dívidas a fornecedores que pretendem agora saber se para além da sociedade Agricultura Girassol também o sócio Tiago poderá ser responsabilizado pelo pagamento dessas dívidas. Quid iuris?
A desconsideração da personalidade jurídica embora não tenha consagração legal, num dispositivo concreto, ocorre quando um determinado agente usa indevidamente em benefício próprio a autonomia patrimonial da sociedade comercial para prosseguir finalidades inadmissíveis, atuando de forma abusiva e defraudando, muitas vezes, e simultaneamente a lei.
Exemplos de situações em que é visível a desconsideração da personalidade jurídica são as situações de subcapitalização, de confusão de patrimónios da sociedade e dos sócios/acionistas em prejuízo de terceiros (credores),
No entanto, o Código das Sociedades Comerciais (CSC) consagra diversos dispositivos em que está inerente o instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Vejamos alguns exemplos:
- O artigo 84.º CSC responsabiliza a sócio único que não tenha respeitado a autonomia patrimonial da sociedade e que consequentemente tenha induzido a sociedade numa situação de falência. Nesta situação, perante uma situação de falência, sócio único responde ilimitadamente pelas dívidas da sociedade e se não tiver respeitado a lei que estabelece a separação de patrimónios.
- Artigos 58.º, n.º 1, al. b) e 58.º, n.º 3, do mesmo diploma: perante uma deliberação abusiva tomada pela maioria dos sócios em detrimento da minoria ou da própria sociedade devem os danos respetivos ser integralmente suportados pelos sócios que contribuíram para a maioria em causa. Assim, os sócios que votaram a favor responderão pessoalmente pelos danos criados.
- Artigo 270.º-F, n.º 4, CSC: impõe a mesma responsabilidade ilimitada ao sócio único que não respeite as regras estritas, plasmadas na lei, para os negócios entre sócio e sociedade.
Requisitos para aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica:
- Não existir um dispositivo legal que regule a situação em concreto: a desconsideração deve sempre ceder na presença de outro preceito, norma ou instituto que responda inteiramente ao problema, sendo de aplicação subsidiária;
- Confusão forte entre os patrimónios da sociedade e dos seus sócios;
- Reprovação da conduta do agente visível quer na criação da situação quer no aproveitamento dela;
- Ilicitude ou abuso da conduta do sócio/agente;
- A situação que está na origem de uma eventual desconsideração não pode ser inócua, ou seja, tem de determinar prejuízos na esfera de terceiros (credores, trabalhadores, Estado, a própria sociedade, entre outros);
- Não deve ser decretada de ânimo leve, mas apenas quando da sua não aplicação resultar um dano mais intenso.
Em todas as situações supra descritas, estamos perante a imposição de responsabilidade pessoal dos sócios, respondendo estes juntamente com a sociedade pelas obrigações.
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