Os nossos dias tomaram novos caminhos, desafios e oportunidades com a pandemia COVID-19, sendo um dos temas em maior destaque e que era remetido, até aí, para um plano secundário – O Teletrabalho. Passando, este tema, a ser presença constante no nosso dia a dia e a ter um tipo de praticabilidade muito maior entre nós.
O legislador, de forma a acompanhar esta evolução repentina na área laboral, passou a incorporar o Teletrabalho no Código do Trabalho, através da aprovação da Lei n.º 83/2021, de 6 de dezembro. Tendo esta alteração ao Código do Trabalho passado a vigorar na nossa Ordem Jurídica, desde o dia 1 de janeiro de 2022.
Analisemos, infra, o que mudou no Código do Trabalho e no Teletrabalho, salientando-se, desde já, que esta alteração legislativa refere-se a Teletrabalho acordado entre as partes ou por direito do trabalhador, nada tendo que ver com as situações de teletrabalho obrigatório por imposição estatal.
- Codificação do Teletrabalho, abrangência:
A alteração supramencionada refere-se à nova redação dos artigos 165.º a 171.º, do Código do Trabalho.
O legislador começou por explicitar o que se considera teletrabalho, mencionado no artigo 165.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que se considera Teletrabalho: “a prestação de trabalho em regime de subordinação jurídica do trabalhador a um empregador, em local não determinado por este, através do recurso a tecnologias de informação e comunicação.”
Vemos, assim, que o legislador procurou integrar em teletrabalho todas as situações em que:
– O trabalhador presta trabalho à distância;
– Esteja subordinado aos poderes laborais próprios do empregador;
– Recorra a tecnologias de informação e comunicação.
Constituindo estes três vetores a análise chave para verificarmos se estamos perante uma situação de Teletrabalho.
- Formas de acesso ao Teletrabalho
A) Por acordo:
Estatui o Código do Trabalho, na epígrafe do artigo 166.º, do Código do Trabalho, Acordo para Prestação de Teletrabalho.
Verificamos, assim, que o Teletrabalho pode ser uma realidade para o trabalhador se acordado com o empregador.
Salienta-se, desde logo, no artigo 166.º, n.º 2, do Código do Trabalho que o acordo de teletrabalho tem de ser sempre realizado por acordo escrito, sendo, assim, uma obrigação que um acordo que preveja a prestação de trabalho em teletrabalho seja acordado por escrito.
Ademais, verificamos ainda, nesse mesmo número e artigo que o acordo de teletrabalho pode ser previsto ab initio, ou seja inicialmente no contrato de trabalho do trabalhador, ou num acordo prévio autónomo, desde que realizado por escrito.
Nestes termos um trabalhador pode ser contratado prevendo logo no seu contrato de trabalho que prestará o trabalho em teletrabalho, ou poderá acordar o teletrabalho com o empregador, no decorrer da execução do seu contrato de trabalho, não existindo um momento a partir do qual não é possível acordar a celebração de um acordo de teletrabalho.
Tendo obrigatoriamente de ser previsto no acordo de teletrabalho se o trabalhador está em regime de permanência ou alternância entre trabalho presencial e à distância, nos termos do artigo 166.º, n.º 3, do Código do Trabalho.
O artigo 166.º, n.º 4 prevê, adicionalmente, elementos que terão obrigatoriamente de estar contemplados no acordo de teletrabalho, sento eles:
- A identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;
- O local em que o trabalhador realiza habitualmente o seu teletrabalho, o qual será considerado, para todos os efeitos legais, o seu local de trabalho;
- O período normal de trabalho diário e semanal;
- O horário de trabalho;
- A atividade contratada, com indicação da categoria correspondente;
- A retribuição à qual o trabalhador terá direito, incluindo prestações complementares e acessórias;
- A propriedade dos instrumentos de trabalho, bem como o responsável pela respetiva instalação e manutenção;
- A periodicidade e o modo de concretização dos contactos presenciais que têm de ser promovidos pelo empregador entre o trabalhador e as suas chefias, em períodos não superiores a 2 (dois) meses.
Caso seja o empregador a propor o teletrabalho do trabalhador a recusa desse mesmo acordo não carece de qualquer fundamentação, nem constitui causa para qualquer despedimento ou sanção no âmbito de um procedimento disciplinar, nos termos do artigo 166.º, n.º 6, do Código do Trabalho.
Contudo, caso a proposta de teletrabalho parta do trabalhador, nos termos dispostos no artigo 166.º, n.º 7 do Código do Trabalho, “No caso de a atividade contratada com o trabalhador ser, pela forma como se insere no funcionamento da empresa, e tendo em conta os recursos de que esta dispõe, compatível com o regime de teletrabalho, a proposta de acordo feita pelo trabalhador só pode ser recusada pelo empregador por escrito e com indicação do fundamento da recusa.”.
Assim sendo, verificamos que no caso de ser o trabalhador a propor o acordo de teletrabalho a recusa terá de ser fundamentada, se a prestação for possível e não representar um prejuízo para a organização da empresa.
O trabalhador, de forma a salvaguardar a sua aceitação das propostas de teletrabalho, poderá, por regulamento interno, descriminar os moldes em que aceita um acordo de teletrabalho, conforme estatui o artigo 166.º, n.º 9, desde que esse tipo de acordo seja compatível com as exigências legais.
B) Por direito do trabalhador:
No artigo 166.º-A do Código do Trabalho, temos as situações em que o trabalhador tem direito a exigir prestar a sua obrigação laboral em teletrabalho, desde que a sua prestação seja compatível com esse modo de prestação da sua obrigação laboral.
Ora, nas seguintes situações o trabalhador pode exigir o teletrabalho:
– O trabalhador vítima de violência doméstica, nos termos do artigo 166-A, n.º 1 e 195.º, desde que tenha apresentado queixa-crime e tenha saído da casa de morada de família;
– O trabalhador com filho em idade até 3 (três) anos, nos termos do artigo 166.º-A, nº 2;
– O trabalhador com filho até 8 (oito) anos, desde que:
a) Em situações que ambos os pais possam exercer o teletrabalho, o realizem de forma sucessiva de igual duração num prazo de referência máxima de 12 (doze) meses;
b) Numa família monoparental ou situações em que apenas um dos progenitores, comprovadamente, reúne condições para o exercício da atividade em regime de teletrabalho;
Nota: Constitui exceção ao direito de teletrabalho para trabalhador com filho até 8 (oito) anos, qualquer pedido de teletrabalho realizado perante uma microempresa, dado que para este tipo de empresas não há sujeição do empregador a esta obrigação de conceção de teletrabalho.
– O trabalhador que seja reconhecido como cuidador informal, pelo período de 4 (quatro) anos, de forma seguida ou interpolada.
A violação deste direito ao teletrabalho, por qualquer das situações supramencionadas constitui uma infração grave para efeito de qualificação da mesma.
- Responsabilidade pelos equipamentos utilizados em teletrabalho
Dispõe o artigo 168,º do Código do Trabalho sobre as responsabilidades sobre os equipamentos a utilizar em teletrabalho.
Dizendo-nos que o empregador é responsável por todos os equipamentos e ferramentas utilizadas em teletrabalho, sendo qualificadas enquanto tal todos os equipamentos aptos a realizar trabalho à distância que o trabalhador não dispunha antes de começar a prestar teletrabalho.
Tendo o acordo de teletrabalho de mencionar se o empregador presta diretamente os instrumentos ao trabalhador ou se este os adquire.
Caso seja realizada a aquisição dos mesmos o Empregador tem de realizar o pagamentos destes ao trabalhador logo que realize essas despesas de aquisição.
A nível fiscal a aquisição destes instrumentos é qualificada como uma despesa do empregador, mas não é um rendimento do trabalhador.
Caso o empregador preste diretamente os instrumentos ao trabalhador, as condições de utilização terão de estar estabelecidas no regulamento de teletrabalho, ou caso este não exista na empresa, deverão de ficar expressas no acordo de teletrabalho a celebrar por escrito entre trabalhador e empregador.
- Direitos e Deveres do Trabalhador em teletrabalho
Dada a especificidade deste regime o trabalhador está sujeito aos seguintes deveres:
-Informar atempadamente a empresa de quaisquer avarias ou defeitos de funcionamento dos equipamentos e sistemas utilizados na prestação de trabalho;
– Cumprir as instruções do empregador no respeitante à segurança da informação utilizada ou produzida no desenvolvimento da atividade contratada;
– Respeitar e observar as restrições e os condicionamentos que o empregador defina previamente, no tocante ao uso para fins pessoais dos equipamentos e sistemas de trabalho fornecidos por aquele;
– Observar as diretrizes do empregador em matéria de saúde e segurança no trabalho.
Relativamente aos seus direitos temos:
– Direito a ser tratado de forma igual à que seria caso estivesse a prestar trabalho presencialmente, designadamente:
a) Receber, no mínimo, a retribuição equivalente à que auferiria em regime presencial, com a mesma categoria e função idêntica;
b) Participar presencialmente em reuniões que se efetuem nas instalações da empresa mediante convocação das comissões sindicais e intersindicais ou da comissão de trabalhadores, nos termos da lei;
c) Integrar o número de trabalhadores da empresa para todos os efeitos relativos a estruturas de representação coletiva, podendo candidatar-se a essas estruturas.
– Utilizar as tecnologias de prestação de trabalho à distância para participar em reuniões de estruturas de representação dos trabalhadores;
– O empregador deve respeitar a privacidade do trabalhador, o horário de trabalho e os tempos de descanso e de repouso da família deste, bem como proporcionar-lhe boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como psíquico.
Neste ponto é importante salientar que caso o empregador queira verificar as condições em que o trabalhador presta o seu trabalho terá de avisá-lo com 24 (vinte quatro) horas de antecedência e concordância do trabalhador, tendo de realizar a visita no horário de prestação laboral do trabalhador. Tendo, durante esta visita, direito a aceder ao local onde o trabalhador presta o seu trabalho e de forma proporcional a verificar apenas o controlo da atividade laboral e dos instrumentos de trabalho.
– Constitui direito do trabalhador que não seja captado ou utilizado os seus dados, como a sua imagem, som, escrita, o seu histórico horário, ou o uso de qualquer outro meio de controlo que afete o direito à privacidade do trabalhador.
- Direitos e Deveres do Empregador de trabalhador em teletrabalho
O empregador assume os seguintes deveres para com trabalhadores em teletrabalho:
– Informar o trabalhador, quando necessário, acerca das características e do modo de utilização de todos os dispositivos, programas e sistemas adotados para acompanhar à distância a sua atividade;
– Abster-se de contactar o trabalhador no período de descanso;
– Diligenciar no sentido da redução do isolamento do trabalhador, promovendo, com a periodicidade estabelecida no acordo de teletrabalho, ou, em caso de omissão, com intervalos não superiores a dois meses, contactos presenciais dele com as chefias e demais trabalhadores;
– Garantir ou custear as ações de manutenção e de correção de avarias do equipamento e dos sistemas utilizados no teletrabalho, independentemente da sua propriedade;
– Consultar o trabalhador, por escrito, antes de introduzir mudanças nos equipamentos e sistemas utilizados na prestação de trabalho, nas funções atribuídas ou em qualquer característica da atividade contratada;
– Facultar ao trabalhador a formação de que este careça para o uso adequado e produtivo dos equipamentos e sistemas que serão utilizados por este no teletrabalho.
O empregador tem direito a:
– Agendar reuniões presenciais, sempre que justificáveis, que contem com a presença do trabalhador, desde que o avise com 24 horas de antecedência e marque a reunião no horário de trabalho do trabalhador, tendo de custear as despesas de deslocação, no que ultrapasse os custos que seriam suportados entre a residência do trabalhador e o local onde exerceria o trabalho presencial (caso a reunião seja em local diferente).
– Exercer poder de direção sobre o trabalhador e verificar o controlo da sua prestação de trabalho, através de equipamentos e sistemas de controlo à distância (desde que não viole a sua privacidade), através de procedimentos previamente conhecidos pelo trabalhador.
- Fiscalização
Este novo regime jurídico será controlado e fiscalizado pela ACT, nos moldes específicos da sua atividades, mas com o mesmo grau de disciplina e imperatividade do que se estivéssemos perante uma fiscalização ao local de trabalho presencial.
As ações de Fiscalização presencial envolvem a anuência do trabalhador e a comunicação da sua realização com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas.
- Concluindo
Em suma, verificamos que o teletrabalho, tema trazido para a ordem do dia com a pandemia COVID-19 ganhou um relevo que não mais poderia ser ignorado pelo nosso legislador.
Nestes termos, o legislador visou estabelecer um regime jurídico que permita, sempre que viável e possível na prática, o trabalhador possa, por acordo com o empregador, ou por seu especial direito, realizar a sua prestação laboral em teletrabalho, isto é, em local à distância.
Questões como a aquisição do material ou o direito ao descanso não podem ser desprezados, mas o que de maior relevo certamente terá, será a questão da privacidade do trabalhador perante o direito à supervisão pelo empregador.
Será o traçar desta linha que certamente se avizinhará como a pedra de toque de maior discussão entre onde e como poderá ir o trabalhador naquilo que são os seus horários e privacidade e por outro lado, naquilo que será o exercer de um direito de controlo do empregador, ao abrigo dos seus direitos laborais de direção e controlo perante o trabalhador.
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Este artigo foi escrito por Márcio Pedroso Timóteo segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico.