Mariana é gerente de uma empresa. Nos últimos meses não conseguiu pagar as contribuições dos trabalhadores da empresa à Segurança Social. Está preocupada porque lhe disseram que, além de poder ver essas dívidas reverterem contra si, o não pagamento poderia constituir um crime.
O Crime de Abuso de Confiança contra a Segurança Social
O número 1 do artigo 107.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), estabelece que “As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.os 1 e 5 do artigo 105.º”.
O crime de abuso de confiança contra a Segurança Social é um tipo de ilícito com autonomia e independência relativamente ao crime de abuso de confiança fiscal, o qual se encontra previsto no artigo 105.º do RGIT. Apesar de pretenderem punir a mesma conduta (não entrega de valores retidos), estes crimes tutelam bens jurídicos distintos. Aliás, a remissão feita para o artigo 105.º por parte do artigo 107.º do RGIT apenas respeita às penas aplicáveis. Aliás, esta foi uma questiúncula que existiu durante algum tempo mas que não fazia sentido pois, estaríamos perante uma quase despenalização dos factos que integram o ilícito.
Ademais, é bom que se tenha em mente que, o limite dos € 7.500,00 referido para o crime de abuso de confiança fiscal não é um limite que se aplique ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social. Basta, em teoria, a não entrega de um único cêntimo para esse facto poder integrar a previsão da norma do artigo 107.º do RGIT e, portanto, podermos estar perante a prática de um crime.
Assim, a prestação de declaração à Segurança Social e o correspondente pagamento tem uma periodicidade mensal e, por conseguinte, cada prestação mensal que não é paga até à data limite, constitui em abstrato, um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.
Várias Prestações, Um Único Crime
Será que a não entrega, por parte de uma entidade empregadora, durante vários meses, dos valores devidos à Segurança Social são um ou vários crimes? É importante, nesta medida, a leitura do artigo 30.º do Código Penal. Ali se refere, o número 2 que, “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.”
Assim, quando uma entidade patronal, por vários meses consecutivos, deixa de entregar as contribuições legalmente devidas à Segurança Social resultantes de descontos realizados aos seus trabalhadores ou membros dos órgãos sociais (MOE), perante esta repetição de factos e de uma resolução criminal, com nexo de continuidade, a Lei estipula que essa continuidade de delitos deve ser entendida como um único facto em termos jurídico-penais. No entanto, é importante salientar que o entendimento relativamente ao crime continuado não é pacífico, mormente no que respeita ao entendimento sobre a aplicação do critério subjetivo e objetivo.
Prazo de Prescrição do Procedimento Criminal
O prazo de prescrição do procedimento criminal começa a contar-se no dia seguinte ao termo do prazo legalmente previsto para a entrega/pagamento das prestações contributivas devidas. Isto porque, a remissão do número 2 do artigo 107.º do RGIT para o número 7 do artigo 105.º do RGIT a isso obriga. Exceciona-se, claro e como já acima exposto, a remissão para os valores.
Será a partir do último ato ilícito a ser praticado – última falta de entrega de prestação devida à Segurança Social – que começará a contar o prazo para a prescrição do procedimento criminal. Esse prazo de prescrição é de 5 (cinco) anos nos termos do número 1 do artigo 21.º do RGIT, onde se refere que “O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos.” Obviamente que há que ter em consideração os prazos de liquidação da prestação, as suspensões e as interrupções legalmente estabelecidas.
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