A crise de saúde pública causada pela pandemia da COVID-19 tem vindo a fazer refletir os seus impactos também na economia, particularmente no mercado laboral, que tem vindo a ser tremendamente afetado. Neste sentido o governo português tomou uma série de medidas que protegem não apenas os trabalhadores, como também empregadores (particularmente as medidas de simplificação do Lay-Off). E quanto ao mercado laboral desportivo?
A dinâmica dos contratos de trabalho desportivos desenvolve-se num regime paralelo, pelo que se coloca a questão de saber como é que os atletas e entidades empregadoras desportivas se poderão proteger no caso de se verem confrontados com as dificuldades económicas e financeiras inerentes ao período de exceção que vivemos.
Sabemos de antemão que as competições nacionais e internacionais foram suspensas durante um período muito alargado, pelo que as principais fontes de receitas dos clubes foram, consequentemente, “suspensas”. Acresce que, apesar da retoma das competições, ainda não existe previsão para que as atividades desportivas possam receber público. Esta realidade terá efeitos devastadores, particularmente para os clubes de futebol no cumprimento das obrigações salariais para com os seus atletas.
Evidentemente que todos os problemas que supra se mencionaram terão maior expressão nas ligas com menos capacidade financeira, onde se inclui a liga portuguesa. A partir daqui podem colocar-se algumas questões: (I) poderão as entidades empregadoras desportivas proceder à redução dos salários dos atletas, como consequência das dificuldades impostas pelo período de exceção que vivemos. (II) como poderão as entidades desportivas reagir à queda abrupta das suas receitas.
(i) Um dos princípios basilares do regime geral do Direito do Trabalho é o da irredutibilidade da retribuição, que encontra expressão no disposto na alínea d), do n.º 1 do artigo 129º do Código do Trabalho. O mesmo código estabelece algumas exceções a este princípio, sendo que nenhuma delas se aplica no âmbito do contrato de trabalho desportivo.
O regime jurídico do contrato de trabalho desportivo aprovado pela Lei 54/2017 de 14 de Julho estabelece que as partes no contrato podem convencionar que em caso de descida de divisão da equipa da qual faz parte o atleta seja determinada a diminuição da retribuição (n.º2 do artigo 15º). E esta é a única exceção ao princípio da irredutibilidade da retribuição em matéria de contrato de trabalho desportivo e que, aliás, se encontra reforçada pelo Contrato Coletivo de Trabalho dos Jogadores de Futebol.
De reforçar que neste âmbito, o contrato coletivo de trabalho que mencionamos supra prevê no seu artigo 30º que caso fique impedido de praticar a sua atividade por motivo que não lhe seja imputável (o que é o caso) o jogador manterá sempre os seus direitos e as suas garantias
Posto isto, as entidades empregadoras desportivas apenas seriam autorizadas a recorrer a uma diminuição generalizada das retribuições dos seus atletas, caso o fizessem com o acordo expresso dos mesmos. Sendo que tal acordo, constituindo uma derrogação de um direito fundamental do trabalhador teria sempre de revestir forma escrita.
(II) As entidades desportivas, particularmente os clubes de futebol, perderam aquela que era, em muitos casos a sua principal fonte de receita: a bilheteira. Atrás dela, veio também uma abrupta queda na venda de produtos e merchandising
Como já ficou dito, ainda não existe previsão para que os espetáculos desportivos possam receber espetadores. Isto implica que os clubes estão impedidos não apenas de vender os chamados “lugares de época” como também os bilhetes normais. Consequentemente, os clubes estão obrigados a uma travagem na política de contratações e a um desinvestimento brutal nas equipas profissionais. Falamos de diminuição de folhas salariais, prémios e até suspensão de contratações.
Refira-se que por exemplo o Real Madrid já comunicou que não irá fazer contratações no verão de 2020. Este exemplo deveria ser seguido pelas equipas portuguesas, cujos dirigentes (e adeptos) não podem “assobiar para o lado”, sob pena de oneração excessiva e incomportável das temporadas vindouras.
O tempo das loucuras no futebol português acabou. Os clubes devem aperceber-se desta realidade o mais rapidamente possível de forma a não colocar em que causa não apenas a sua viabilidade económica e financeira, como também, e mais importante, a sua existência desportiva.