Jacinto está preocupado. Há dois dias atrás, no âmbito de um processo de abuso de confiança fiscal, o Juiz determinou a junção aos autos de 3185 mensagens de correio eletrónico (emails) resultantes de uma pesquisa que os investigadores haviam feito na sua caixa de email pela palavra-chave “AT”.
Estabelece o artigo 17.º da Lei do Cibercrime (LC), aprovada pela Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro que, “quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal.”
O regime da apreensão de correspondência encontra-se estabelecido no artigo 179.º do Código de Processo Penal (CPP). A apreensão de correspondência, para acontecer ter de ser autorizada ou ordenada pelo juiz de instrução. Para o efeito, o mesmo deve ter fundadas razões para acreditar que:
- “a) A correspondência foi expedida pelo suspeito ou lhe é dirigida, mesmo que sob nome diverso ou através de pessoa diversa”,
- “b) Está em causa crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos”
- “c) A diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.”
O acesso a um sistema informático
O acesso a mensagens de correio eletrónico pressupõe que o órgão de polícia criminal se encontra a realizar uma pesquisa informática que se encontra devidamente validada ou então que, o suspeito, tenha concedido livremente acesso legítimo por parte da investigação a esse sistema informático.
Por exemplo, imagine que concedeu acesso ao seu google drive e que se encontram lá emails que havia arquivado e apareceram nas pesquisas realizadas pelos investigadores. Neste caso, o juiz de instrução tem de autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daquelas que se afiguram como ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
Normalmente, o mandado de busca e apreensão já contém esta possibilidade de raiz. Ou seja, quando ele pressupõe (as mais das vezes) a pesquisa informática, ele permite desde logo a apreensão de mensagens de correio eletrónico que possam ter interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
Muitas vezes também, o Ministério Público, quando não anteriormente autorizado, pode ordenar a apreensão provisória das mensagens e, depois, o juiz de instrução criminal deverá ordenar, ou não, a apreensão definitiva. O problema deste entendimento – que grassou por aí amiúde – é que, no nosso entender, toda e qualquer mensagem de correio eletrónico que se encontra armazenada num sistema informático, apenas pode ser legalmente apreendida mediante prévio (e não posterior) despacho do juiz de instrução criminal. É o regime que resulta da conjugação dos artigos 17.º da LC e do artigo 179.º do CPP.
E se der o seu consentimento?
No meio das buscas, muitas pessoas não sabem o que fazer e entram em desespero. Uma das primeiras coisas que deveriam fazer era ligar para o(a) seu(sua) advogado(a). E aqui está uma das razões… As mensagens de correio eletrónico, assim como os SMS, os “whatsapp”, etc., valerão como prova válida em processo penal se, quem as fornecer, delas puder dispor. Só será necessária a intervenção do juiz de instrução criminal quando, a pessoa ou a entidade que fornece tais mensagens delas não puder validamente dispor.
Note que a Lei não fala – como muito para aí se ouviu em tempos – na distinção entre mensagens abertas ou por abrir…
O que acontece depois?
O juiz de instrução criminal que tiver autorizado ou ordenado o acesso a um sistema informático é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida no âmbito da diligência ocorrida.
Efetivamente, nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 268.º do Código de Processo Penal, “durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução: tomar conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo da correspondência apreendida, nos termos do número 3 do artigo 179.º”.
Deste modo, as mensagens de correio eletrónicas já convertidas em ficheiro legível, são dadas em primeiro lugar ao juiz de instrução criminal que tem a competência exclusiva para examinar tal prova e proceder à sua validação nos termos da Lei processual. A falta de exame da correspondência por parte do juiz de instrução criminal constitui-se como uma nulidade nos termos da alínea d) do número 2 do artigo 120.º do Código de Processo Penal, uma vez que estamos perante um ato cuja prática é legalmente obrigatória.
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