A Comebem, S.A. (nome fictício) produz alfaces que vende para cadeias de distribuição. Aceitou uma encomenda muito significativa por parte da Distribuimelhor, Lda. (nome fictício) cujo prazo de entrega termina dentro de 5 dias. Porém, hoje, recebeu uma notificação de cancelamento dessa encomenda. A Administração da Comebem, S.A. está indignada e pretende saber se aquela empresa pode cancelar a encomenda.
O Decreto-Lei n.º 166/2013, de 27 de dezembro, estabelece e aprova um regime aplicável às práticas individuais restritivas do comércio.
No âmbito deste diploma legal, encontram-se estabelecidas um conjunto significativo de regras que visam regulamentar um mercado tão importante, nomeadamente em matéria de preços e condições de venda, transparência de políticas de preços e condições de venda, a questão da venda com prejuízo, outros aspetos importantes.
No âmbito deste diploma legal, já se encontrava prevista a existência de práticas negociais abusivas entre empresas para todas as áreas do comércio, a saber:
- O impedimento de venda a qualquer outra empresa a um preço mais baixo;
- A obtenção de preços, condições de pagamento, modalidades de venda, sanções contratuais ou condições de cooperação comercial exorbitantes relativamente às suas condições contratuais gerais. Consideram-se como “exorbitantes” os preços, condições de pagamento, modalidades de venda, sanções contratuais, ou condições de cooperação comercial que se traduzam na concessão de um benefício ao comprador, ou ao vendedor, não proporcional ao volume de compras ou vendas ou, se for caso disso, ao valor dos serviços prestados;
- A imposição unilateral, direta ou indireta de:
- realização de uma promoção de um determinado produto; ou
- de quaisquer pagamentos enquanto contrapartida de uma promoção;
- A obtenção de quaisquer contrapartidas por promoções em curso ou já ocorridas, ou quaisquer outras que não sejam efetivas e proporcionais, designadamente através da emissão de notas de crédito e débito com prazo superior a três meses da data da fatura a que se referem;
- A alteração retroativa, ainda que extracontratual, de condições estabelecidas em contratos de fornecimento;
- A penalização do fornecedor pela dificuldade de fornecimento de encomendas desproporcionadas face às quantidades normais do consumo do adquirente ou aos volumes habituais de entregas do vendedor, quando o fornecimento que, em condições normais, seria concluído o não puder ser, por motivos imprevistos e de força maior, recaindo sobre o fornecedor o ónus de provar esse impedimento;
- A aquisição, utilização ou divulgação ilegais de segredos comerciais do fornecedor nos termos do Código da Propriedade Industrial;
- A ameaça ou concretização de atos de retaliação comercial contra o fornecedor que exerce os seus direitos contratuais ou legais, nomeadamente ao apresentar uma queixa às autoridades competentes ou ao cooperar com as autoridades competentes no decurso de uma investigação;
A Lei proíbe ainda práticas negociais entre empresas que se constituam como uma dedução, por uma das partes, de valores aos montantes da faturação devidos pelo fornecimento de bens ou prestação de serviços, quando:
- Não estejam devidamente discriminados os motivos a que se referem, e
- A outra parte se pronuncie desfavorável e fundamentadamente no prazo de 25 dias.
A Lei protege ainda práticas unilaterais que visem ou consubstanciem:
- Uma imposição de antecipação de cumprimento de contratos, sem indemnização;
- Uma imposição de débitos não contratualmente previstos, após o fornecimento dos bens ou serviços.
Há ainda casos, também eles proibidos, de práticas negociais em que um comprador pretenda impor um pagamento, seja ele direto ou sob a forma de um desconto, nas seguintes situações:
- Pela não concretização das expectativas do comprador quanto ao volume ou valor das vendas;
- Para introdução ou reintrodução de produtos;
- Como compensação por custos decorrentes de uma queixa do consumidor, exceto quando o comprador demonstre que essa queixa se deve a negligência, falha ou incumprimento contratual do fornecedor;
- Por custos relativos a transporte e armazenamento posteriores à entrega do produto;
- Como contribuição para abertura de novos estabelecimentos ou remodelação dos existentes;
- Como condição para iniciar uma relação comercial com um fornecedor.
Nestes casos, se dos contratos constarem cláusulas que violem estas disposições, as mesmas considerar-se-ão nula e têm-se como não escritas.
As alterações mais recentes e as normas específicas para o setor agroalimentar:
Através das alterações formuladas pelo Decreto-Lei n.º 76/2021, de 27 de agosto, foram aditados dois artigos que preveem um conjunto de práticas proibidas (artigo 7.º-B) ou práticas negociais sujeitas a acordo em específico (artigo 7.º-C) para o setor agroalimentar.
Deste modo, para o setor agroalimentar, passam a ser práticas negociais proibidas:
- A notificação do cancelamento de encomendas de produtos perecíveis num prazo inferior a 30 dias antes da data prevista de entrega, entendendo-se como perecíveis os produtos suscetíveis de se tornarem impróprios para venda no prazo máximo de 30 dias após a sua colheita, produção ou transformação;
- A alteração unilateral do contrato relativamente à frequência, método, local, calendário ou volume do fornecimento ou entrega, assim como das normas de qualidade, preços, condições de pagamento ou prestação dos serviços intrinsecamente associados ao contrato, nos termos do artigo 7.º-C;
- A imposição de pagamentos, diretamente ou sob a forma de desconto:
- não relacionados com a venda de produtos agrícolas ou alimentares do fornecedor;
- pela deterioração, perda ou desperdício de produtos do fornecedor que ocorra nas instalações do comprador, após a transferência da sua propriedade para o comprador, exceto quando o comprador demonstre que tal se deve a negligência, dolo ou incumprimento contratual do fornecedor;
- A rejeição ou devolução de produtos entregues, com fundamento na menor qualidade de parte ou da totalidade da encomenda ou no atraso da entrega, sem que seja demonstrada, pelo comprador, a responsabilidade do fornecedor por esse facto;
- A recusa de confirmação por escrito dos termos de um acordo, quando tal tenha sido expressamente solicitado pelo fornecedor, exceto nas transações comerciais entre as cooperativas constituídas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 335/99, de 20 de agosto, na sua redação atual, ou as organizações de produtores e respetivas associações, reconhecidas nos termos da Portaria n.º 298/2019, de 9 de setembro, e os seus respetivos membros, sempre que os respetivos estatutos ou decisões deles decorrentes incluam disposições de efeito semelhante aos termos do acordo de fornecimento.
Ainda no setor agroalimentar, passam a ser práticas negociais sujeitas a acordo (salvo se as mesmas tiverem sido previamente estipuladas de forma clara e inequívoca):
- A devolução pelo comprador de produtos não vendidos, sem efetuar o pagamento desses produtos, ou o pagamento do respetivo escoamento, ou de ambos;
- A cobrança ao fornecedor de um pagamento como condição pelo armazenamento, exposição ou inclusão no inventário dos seus produtos, ou pela disponibilização desses produtos no mercado; (se for estipulada esta cláusula, o comprador deve facultar, por escrito, uma estimativa dos pagamentos por unidade ou globais bem como uma estimativa dos custos e das bases dessa estimativa, sempre que tal lhe seja requerido pelo fornecedor)
- A exigência de que o fornecedor assuma a totalidade ou parte do custo dos descontos de produtos vendidos pelo comprador como parte de uma promoção, salvo se o comprador especificar antecipadamente ao início da promoção o período dessa promoção e a quantidade de produtos que prevê encomendar ao preço com desconto;
- A exigência de pagamento por parte do fornecedor por publicidade aos seus produtos ou por ações de comercialização que tenham sido efetuadas pelo comprador; (se for estipulada esta cláusula, o comprador deve facultar, por escrito, uma estimativa dos custos e das bases dessa estimativa, sempre que tal lhe seja requerido pelo fornecedor)
- A cobrança pelo comprador de remuneração devida a pessoal para arranjo das instalações utilizadas para a venda dos produtos do fornecedor. (se for estipulada esta cláusula, o comprador deve facultar, por escrito, uma estimativa dos pagamentos por unidade ou globais bem como uma estimativa dos custos e das bases dessa estimativa, sempre que tal lhe seja requerido pelo fornecedor)
No caso prática referido neste artigo, estamos perante uma prática comercial proibida no setor agroalimentar nos termos da alínea a) do artigo 7.º-B, na medida em que estamos perante produtos perecíveis que são suscetíveis de se tornarem impróprios para venda no prazo máximo de 30 dias após a sua colheita, produção ou transformação.
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