Ana, estudante universitária, recebeu mensagens de colegas com links para um vídeo sexual onde aparecia a sua imagem. Nunca tinha gravado nada parecido, tratava-se de um deepfake criado sem o seu consentimento e que se espalhou rapidamente, deixando-a arrasada. Perante esta situação, meramente exemplificativa, questiona-se: como é tutelada a situação de Ana no ordenamento jurídico português?
A produção e partilha não consensual de material íntimo, real ou manipulado, é um fenómeno que ganhou contornos mais graves com a proliferação do acesso generalizado às tecnologias de inteligência artificial.
Estas ferramentas, acessíveis a qualquer pessoa, permitem a criação de conteúdos manipulados, tais como os deepfakes sexuais, que levantam sérios problemas a nível social e jurídico.
A inovação legislativa no quadro europeu
Esta matéria alcançou um maior relevo no ordenamento jurídico português devido à obrigatoriedade de transposição da diretiva (UE) 2024/1385.
A diretiva da União Europeia estabelece normas em matéria de prevenção e combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica. No âmbito de crimes informáticos, destaca-se, no artigo 5.º da diretiva, a neocriminalização (entenda-se, a criminalização de novos comportamentos que antes não eram considerados crimes, em resposta a mudanças sociais ou tecnológicas) da produção ou difusão não consensual de material íntimo ou manipulado – questão esta que, num contexto digital, se verifica cada vez mais problemática.
O conceito de deepfakes
É precisamente no artigo 5.º que se insere a criminalização de conteúdo sexual falsamente gerado não consentido pela pessoa retratada, designadamente através da inteligência artificial e manipulação digital – é neste ponto que se insere o conceito de deepfakes.
A própria diretiva define deepfakes como “falsificações profundas”, cujo material de assemelha consideravelmente a pessoas, objetos, locais ou outras entidades ou acontecimentos reais. Num contexto sexual, trata-se de uma representação de atos sexuais de um indivíduo que, na verdade, não protagonizou os mesmos – assim, não é exigido que o conteúdo seja real mas apenas que aparente sê-lo.
Consequências para as vítimas
Este tipo de conteúdo tende a ser difundido e proliferado rapidamente, o que resulta em repercussões pesadas para as vítimas, tendo impacto na saúde mental, na autoestima e confiança, bem como consequências na sua vida profissional e familiar.
A realidade portuguesa
Atualmente, em Portugal, não há enquadramento legal para punir atos de partilha de material manipulado de carácter sexual. No entanto, a diretiva da União Europeia deve ser transposta obrigatoriamente até 14 de junho de 2027, o que exigirá alterações ao Código Penal ou legislação penal avulsa.
Neste contexto, a criminalização dos deepfakes sexuais não consentidos não se limita a uma atualização ou inovação legislativa mas constitui um passo essencial para proteger as vítimas destes crimes, restaurar a confiança no ambiente digital e consolidar uma cidadania digital segura, assente no respeito e defesa da dignidade humana.
